Lages: a cidade que nasceu do caminho

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Antes de qualquer mapa ou documento oficial, essas terras eram casa dos kaingang e xokleng, povos indígenas que viviam em harmonia com os campos e matas da serra. Essa presença ancestral se tornou a raiz silenciosa da cidade: parte deles foi expulsa, outra parte resistiu — e muitos se misturaram aos colonizadores, dando origem ao povo caboclo. Foi no século XVIII que os caminhos tropeiros começaram a rasgar o território. As trilhas comerciais abriram passagem entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, e a região se tornou pouso estratégico no Caminho das Tropas. Em meio a esse movimento de gado e encontros, o bandeirante Antônio Correia Pinto de Macedo fundou, em 1766, o povoado que recebeu o nome de “Nossa Senhora dos Prazeres das Lajens”, que foi o primeiro nome oficial da cidade. Cinco anos depois, em 1771, esse povoado foi elevado à categoria de vila. Com o tempo, o nome foi sendo abreviado para “Lajes” e, apenas em 1960, passou a ser oficialmente grafado como Lages, como conhecemos hoje.
A economia local se consolidou na bovinocultura extensiva e no pouso de tropeiros, fazendo da cidade um ponto de travessia e também de troca cultural. No século XX, esse movimento se intensificou com o Ciclo da Madeira, quando a serra viveu uma explosão econômica e populacional. Foi nesse contexto que surgiu um personagem marcante: Mário Augusto de Souza, um imigrante português apaixonado pelas artes. Sua visão mudou os rumos da cidade. Ele sonhou — e construiu — o Teatro Marajoara, inaugurado em 18 de novembro de 1947. Mais que um prédio, o teatro tornou-se símbolo: sua fachada em art déco, combinada a traços inspirados na cultura indígena, anunciava que Lages podia ser mais do que tropeada e madeira — podia ser palco. No Marajoara, desfilaram nomes como Bibi Ferreira, Procópio Ferreira e Vera Fischer, colocando Lages entre os destinos culturais mais respeitados do sul do país. O cinema também se fortaleceu: antes do Marajoara, Mário já havia fundado o Teatro Carlos Gomes, o popular “Poeira”, e, mais tarde, veio o Cine Marrocos, responsável por lotações históricas — especialmente em 1998, quando Titanic trouxe mais de 25 mil espectadores. Lages também revelou artistas e cineastas, como João Amorim, entre tantos, que filmou produções locais como Calibre 12 e Homem Sem Terra, e ajudou a registrar em tela a força da identidade serrana. Lages está representada na Academia Catarinense de Letras pelo imortal Carlos Alberto Silveira Lenzi. A expressividade literária de Lages tem nomes como Guido Wilmar Sassi, Cristóvão Tezza, Fábio Brüggemann, Jayro Schmidt e Yedda de Castro Goulart. Lages também registra na sua história as fazendas que se tornaram pousadas, trazendo turistas de todo o mundo para tomar um bom camaro e degustar o chimarrão.
Hoje, a cidade segue celebrando sua essência. A Festa Nacional do Pinhão é mais que evento: é memória viva. Ao redor do pinhão — símbolo da araucária — giram gastronomia típica, cantorias, dança, chimarrão e tradição campeira. A cada ano, a festa reafirma aquilo que Lages sempre foi: um lugar de passagem que virou permanência — e de raízes que se transformaram em cultura.
Texto: Arceloni Volpato
